Entrevista exclusiva do governador Raimundo Colombo sobre, o antes, o durante e o depois dessa segunda onda de ataques no Estado

Desde o dia 30 de janeiro até o dia 20 de fevereiro Santa Catarina voltou a ser vítima de uma onda de atentados, como já tinha acontecido em novembro de 2012. Nos dias que se sucederam ao início dos ataques, o governador Raimundo Colombo comandou – muitas vezes de madrugada – o trabalho das equipes da Justiça e Segurança Pública que acompanharam gravações telefônicas entre criminosos, entre advogados e presos, e que prepararam um plano para ser levado ao Ministério da Justiça.

“Foram noites difíceis, porque você ouve as gravações e você ‘vê’ as ameaças: ‘queima isso, queima aquilo’”, conta o governador nesta entrevista exclusiva para os Jornais da Adjori/SC. Colombo sofreu muitas críticas por seu silêncio, que dava impressão de uma paralisia do Governo ante a crise e agora desabafa: “O sigilo nesse momento foi uma arma importante, fundamental. Houve muitas críticas pessoais, muitos aproveitadores, mas é um preço a pagar e não havia outra saída. Você sacrifica a popularidade, para ter uma operação com credibilidade”.

No dia 16 de fevereiro a megaoperação para acabar com os atentados, uma das maiores já ocorridas no Brasil, foi para as ruas, com prisões, transferências e a chegada da Força Nacional. O governador fala sobre, o antes, o durante e o que ele espera para depois dessa segunda onda de ataques.

Adjori - Quando o senhor tomou conhecimento dos primeiros atentados, no fim de janeiro, início de fevereiro, quais foram as primeiras medidas?
Raimundo Colombo - Quando começaram os ataques a gente percebeu que eles tinham as mesmas características do que tinha ocorrido em novembro. Então, nós tínhamos que usar de forma muito rápida o serviço de inteligência. E essa foi a primeira medida que se organizou em torno da secretária Ada, todas as unidades de inteligência do Governo Estadual e do Governo Federal. Nós captamos todas as informações e quando as obtive fui a Brasília. Em conversa com o ministro da Justiça relatei a situação e ele percebeu a gravidade.

Adjori – Mas o senhor levou um plano ao ministro?
Colombo -
O ministro chamou os técnicos do Ministério da Justiça, e eu tinha levado uma proposta de ação, em que nós detalhamos algumas coisas e fizemos um cronograma. Naquele dia já ficou ajustada a presença da Força Nacional e nós teríamos que agir no mesmo momento na transferência dos presos e de mais de 100 prisões, que já estavam identificadas. Mas havia o Carnaval. Nós não teríamos como fazer esta operação antes ou durante o Carnaval, considerando o alto risco. Então, nós tivemos de passar a imagem de que a gente não sabia o que fazer para poder vencer esse desafio.

Adjori – No fim, o Carnaval foi considerado o mais tranquilo dos últimos 20 anos. O que aconteceu logo depois?
Colombo -
Eu procurei o presidente do Tribunal de Justiça, o procurador geral de Justiça e outras autoridades e relatei aquilo que eu podia relatar sobre a situação. Evidentemente que para você fazer um inquérito, fazer um pedido de prisão, você precisa ter a gravação telefônica ou você precisa ter elementos de prova, ou os dois, e fazer um inquérito. E esse inquérito precisa ter autorização da Justiça. Então essa era uma estratégia. Para transferir os presos para unidade federal também é preciso autorização da Justiça. Aí você tem de buscar todos os elementos de prova. Isso tudo estava em andamento em paralelo com o serviço de inteligência, de tal forma que nós conseguimos dar andamento na operação no sábado de manhã (16 de fevereiro). Mas até lá, houve uma fase dura para tomar todas estas providências e nesse período a polícia agiu muito, prendeu muitas pessoas, mas a operação aconteceu da forma certa. Trabalhamos muito de madrugada, ouvindo gravações...


Adjori – A tensão devia ser grande, ouvindo as ameaças...
Colombo –
Foram noites difíceis, porque você ouve as gravações e você “vê” as ameaças: "queima isso, queima aquilo".


Adjori – O senhor ouviu muitas gravações?
Colombo -
Sim, ouvi e recebi o relatório de tudo. E isso vai trazendo junto uma carga de emoção, porque aí a polícia vai para tal lugar, cria expectativa, não acontece nada. Mas até você ter isso claro, "olha vamos fazer ataque aqui, ataque lá", isso tudo tem uma carga de emoção muito forte e uma responsabilidade enorme, porque cabe a nós não deixar que isso ocorra. Então essas informações chegavam numa carga muito forte. E o nosso pessoal trabalhando, decodificando, identificando tudo isso. O duro é chegar depois, quando termina tudo isso, começa o dia e alguém liga e diz "olha, não aconteceu nada". E a gente passou esse tempo todo, nossa força policial fortemente armada, cuidando disso. Mas a gente sabia que iria virar o jogo e a gente sabia que o sigilo era fundamental. Nós não podíamos falar que essa operação iria ser feita, nós não podíamos contar que iríamos prender quase 100 pessoas, não podíamos falar que iria haver transferência de presos, até porque você precisa de autorização da Justiça para fazer tudo isso. Então o governo se articulou bem com relação ao sigilo e a operação está tendo grande êxito, mas é uma fase de grande dificuldade para poder chegar até o seu final.


Adjori – Não houve violência...
Colombo -
Uma coisa que fica marcada é a seguinte: além de uma morte de um criminoso em Joinville, houve dois feridos e um cidadão que teve queimaduras no corpo dentro de um ônibus. Mas na operação policial não houve um tiro sequer! Foi o maior número de prisões da história de Santa Catarina e o maior número de transferências. Então, o sigilo nesse momento foi uma arma importante, fundamental. Para muitos o sigilo é uma coisa feita para esconder. Nesse caso, era uma estratégia de trabalho para poder garantir aos policiais que estavam agindo, uma condição mais favorável. Risco sempre tinha.


Adjori - Houve um certo momento em que se dizia que havia lentidão para tomar as medidas. Mas pelo que o senhor diz o Carnaval “atrapalhou”, mas não impediu que a megaoperação começasse logo em seguida.
Colombo -
Foi tudo muito rápido, houve agilidade e eficiência. É que para você fazer todos os elementos de prova nós trabalhamos com nossas equipes 24 horas e eu tenho muito orgulho do desempenho do nosso pessoal. Então as pessoas falam, "mas tinha que ter agido antes". Mas durante o Carnaval não era possível fazer. Para você fazer todos esses inquéritos e conseguir todas essas autorizações da Justiça, isso tudo foi feito em tempo recorde. O que demorou foram os esclarecimentos, mas eu não podia entregar o “ouro para o bandido”. Tinha de haver sigilo. Houve muitas críticas pessoais, muitos aproveitadores, mas é um preço a pagar e não havia outra saída. Você sacrifica a popularidade, para ter uma operação com credibilidade. E hoje todo mundo enxerga que a atuação foi correta e que tinha de ser assim. E da nossa parte, receber críticas faz parte do jogo. O importante é você fazer a coisa tecnicamente adequada e correta.


Adjori - Nos outros estados, as pessoas se perguntam: por que Santa Catarina? O que foi que determinou que o crime organizado fizesse isso duas vezes em nosso Estado?
Colombo
- São diversos fatores. Houve um endurecimento dentro das unidades prisionais e também houve excessos que estão sendo punidos, como é o caso de Joinville, com características de tortura, o que é inaceitável. Pessoas estão sendo punidas por isso. Houve um enfrentamento do crime organizado, aquela prisão da advogada foi um problema grave para eles, e nós fizemos várias ligações dentro das comunidades com um número de prisões muito grande. Tanto é que o Verão de Santa Catarina foi o mais tranquilo dos últimos 25 anos. No Carnaval também não houve nenhum incidente no Estado. Isso é resultado da eficiência da polícia. E isso claramente gerou algumas reações. Uma das causas também foi que abrimos oportunidade de trabalho para os presos. Aí eles saem da influência dos comandantes do crime organizado e passam a ter vida própria. Eles passam a trabalhar, a ter um salário, a ter uma motivação pessoal. Todas as empresas garantiram um ano de trabalho depois que terminar a pena e eles forem libertados. Assim essas pessoas deixaram de ser massa de manobra. Isso foi uma das causas da reação.


Adjori - No bojo dos planos da megaoperação, houve também uma série de medidas administrativas, que o Estado aproveitará como um todo na política de Segurança Pública. Que medidas foram essas?
Colombo -
Nós aumentamos nosso efetivo e realizamos concurso para mais de 1.500 policiais militares e mais também na Polícia Civil, além de mais 300 agentes penitenciários. Também temos hoje mais de 1.400 câmeras de vigilância e elas dão uma ajuda importante. Até o final do ano serão três mil. Nós fizemos, em dois anos, seis unidades novas no sistema prisional e ainda vamos abrir mais 6.500 vagas nos próximos dois anos. Ou seja, vamos para quase nove mil vagas em dois anos. Nós estamos aproveitando, comprando muito equipamentos de tecnologia para fortalecer a Segurança Pública para enfrentar situações como essa, porque infelizmente essas questões vêm com o desajuste da sociedade: é uma crise moral, um problema muito sério de drogas e isso tudo reflete uma realidade. Há 10 anos nós tínhamos sete mil detentos. Hoje são 17 mil. Veja que número agressivo, triste para todos nós.


Adjori - Está começando agora um mutirão da Justiça para ver caso a caso a situação dos presos. Ainda há muita transferência para fazer, tem muita gente para soltar. O que o senhor acha que vai resultar deste trabalho que está se iniciando agora?
Colombo –
Serão muitas transferências. E nós temos cerca de cinco mil detentos de crimes que são de baixo risco e que, pela legislação, estão presos. Desse grupo, nós vamos avaliar caso a caso. Aqueles de menor periculosidade, infelizmente, acabam sendo vítimas do crime organizado. Para eles nós temos uma alternativa nova, um tratamento diferenciado. É claro que isso precisa ser visto com a Justiça, mas estão vindo 15 técnicos de Brasília, da Defensoria Pública federal, e nós vamos colocar toda nossa equipe para fazer um detalhamento e um estudo profundo desses cinco mil. Mas não tem nenhuma pessoa que já tenha cumprido pena que ainda esteja presa. Absolutamente nenhuma.


Adjori - Existe uma perspectiva da permanência da Força Nacional em Santa Catarina?
Colombo -
Ela vai ficar o tempo que for necessário. Vão ficar aqui, estão nos ajudando, é uma posição estratégica para nós. Ela está cumprindo missões específicas e é de grande colaboração. Então eles vão ficar aqui mais algum tempo.


Adjori - Ao mesmo tempo em que todos esses ataques ocorriam, a Segurança Pública assumia as manchetes, inclusive nacional, o senhor estava trabalhando também no Pacto por Santa Catarina, que não ganhou tanto destaque. O que é esse Pacto por Santa Catarina?
Colombo -
Nós conseguimos um volume de recursos para fazer investimentos que nunca na história de Santa Catarina se conseguiu antes. São mais de R$ 7 bilhões em contratos já firmados e que estão sendo investidos. Quase R$ 3 bilhões são da malha rodoviária. Nós tínhamos um milhão e meio de veículos há 10 anos, e hoje temos quatro milhões. Então tem que duplicar rodovias, fazer terceira pista, fazer novas rodovias alternativas, porque é uma loucura hoje você andar nas nossas estradas. Nós temos um pacto na área da Saúde muito grande, com a construção de novos hospitais e a ampliação de muitos também, com fortalecimento das regiões. Nós temos mais de R$ 500 milhões na educação. Na Segurança Pública é um investimento muito grande e na Justiça e área social também. Tem outro projeto enorme de quase R$ 1 bilhão para a Defesa Civil, para evitar enchentes e outras calamidades. Todas essas obras todas estão começando agora, estão saindo do papel. Em março vamos lançar quase 50, em abril quase 70, e elas estão seguindo seu fluxo de realização. Santa Catarina vai se transformar num grande canteiro de obras.


Adjori - E a geração de emprego desse Pacto por SC?
Raimundo Colombo -
Santa Catarina, em janeiro foi o Estado que mais gerou empregos nos Brasil. Foi muito positivo esse dado. Todas essas obras vão exigir contratação de gente, todas elas têm um grande investimento materiais e isso tudo faz circular dinheiro no comércio, então ela vai ser um condutor forte na geração de emprego, renda e impostos.