A reeleição de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos em 2025 marca o início de uma nova fase de incertezas para a economia global. Com um histórico de políticas protecionistas e um discurso voltado à proteção da produção doméstica americana, Trump anunciou a intenção de implementar tarifas de até 10% sobre todas as importações globais, 60% sobre produtos chineses e uma sobretaxa de 25% para produtos provenientes do Canadá e México. Essas medidas, se concretizadas, não apenas reposicionarão os Estados Unidos no comércio internacional, mas também gerarão reflexos profundos em economias emergentes como o Brasil.

O momento exige do Brasil uma análise estratégica das oportunidades e desafios que esse novo cenário econômico pode apresentar, especialmente diante da rivalidade crescente entre as duas maiores potências econômicas do mundo: Estados Unidos e China.

Guerra Comercial e Tarifas Globais: Impactos para o Brasil
As tarifas de 10% sobre as importações globais e os 60% sobre produtos chineses são medidas com potencial de desestabilizar o comércio internacional. Para os Estados Unidos, o objetivo declarado é fortalecer a produção doméstica e reduzir a dependência de importações, especialmente de setores considerados estratégicos. No entanto, o impacto global será severo. Produtos importados nos Estados Unidos, de alimentos a eletrônicos, se tornarão mais caros, alimentando a inflação interna e afetando os padrões de consumo.

Para o Brasil, essas medidas representam uma oportunidade no curto prazo, particularmente no setor do agronegócio. A menor competitividade americana no mercado chinês poderá consolidar o Brasil como o principal fornecedor de soja, milho e carne para o país asiático. Contudo, o aumento das tarifas para o comércio global poderá reduzir a demanda por produtos brasileiros em mercados secundários, como a União Europeia e o próprio Canadá, devido à desaceleração do comércio global.

A sobretaxa de 25% para produtos do Canadá e México, por sua vez, pode criar brechas para o Brasil expandir sua presença no mercado americano, especialmente em setores como alimentos e bebidas. Mas esse ganho potencial é limitado, considerando que o protecionismo como um todo também pode dificultar a entrada de produtos brasileiros nos EUA.

Agronegócio: Benefícios e Limitações
O agronegócio brasileiro é, sem dúvida, um dos setores que mais podem se beneficiar das políticas protecionistas de Trump. Com tarifas elevadas sobre produtos americanos na China, o Brasil tem a oportunidade de fortalecer sua posição como fornecedor estratégico. Além disso, produtos como carnes, frutas e café, já amplamente exportados, podem ganhar ainda mais espaço.

Entretanto, o setor precisará lidar com barreiras não tarifárias, como exigências de sustentabilidade e padrões de qualidade. Investimentos em logística e tecnologia para atender à demanda crescente também serão indispensáveis para manter a competitividade brasileira.

Implicações das Tarifas de 60% Sobre Produtos Chineses
A imposição de tarifas de 60% sobre produtos chineses deve gerar um impacto significativo na cadeia global de suprimentos. Produtos eletrônicos, componentes industriais e bens de consumo, amplamente importados da China, terão seus preços aumentados, o que alimentará a inflação nos Estados Unidos e poderá desacelerar a economia chinesa.

Para o Brasil, a desaceleração da China representa um risco. Como principal destino das exportações brasileiras de commodities, a China desempenha um papel crucial na balança comercial do Brasil. Qualquer redução na demanda chinesa por minério de ferro, petróleo ou soja pode ter consequências negativas para a economia brasileira, reduzindo receitas e pressionando os preços no mercado internacional.

O Papel da América Latina e a Sobretaxa para Canadá e México
As tarifas de 25% sobre produtos canadenses e mexicanos indicam que a América Latina também será impactada diretamente pelas políticas protecionistas de Trump. Embora o Brasil não esteja sujeito a essas tarifas, a dependência de suas economias em relação aos Estados Unidos pode criar instabilidade regional, com efeitos colaterais sobre o comércio intra-regional.

Além disso, o Brasil terá a chance de explorar nichos de mercado nos Estados Unidos que antes eram atendidos pelo Canadá e México. No entanto, o protecionismo ampliado e o foco no "Made in America" podem restringir essas oportunidades no longo prazo.

Fluxos de Capital e Desafios Monetários
A política econômica de Trump também deve gerar volatilidade nos mercados financeiros. Sua postura de cortes de impostos e aumento de gastos públicos pode ampliar o déficit fiscal americano, pressionando o Federal Reserve a manter altas taxas de juros. Para o Brasil, isso significa desvalorização cambial, inflação importada e custos mais altos para o pagamento da dívida externa.

Além disso, a fuga de capitais para os Estados Unidos, atraídos por taxas de juros mais altas, pode enfraquecer os mercados emergentes e reduzir os investimentos diretos em infraestrutura e desenvolvimento no Brasil.

Energia e Sustentabilidade em Jogo
Trump já deixou claro sua intenção de fortalecer a produção de combustíveis fósseis, revertendo políticas climáticas e enfraquecendo acordos globais como o Acordo de Paris. Para o Brasil, essa postura representa desafios em dois níveis. Primeiro, o aumento da produção americana de petróleo e gás pode pressionar os preços globais, afetando as exportações brasileiras. Segundo, a saída dos EUA de acordos climáticos pode colocar o Brasil sob maior escrutínio em fóruns internacionais, especialmente devido à importância da Amazônia para o combate às mudanças climáticas.

Neutralidade Estratégica e Resiliência Econômica
O Brasil enfrentará um delicado equilíbrio diplomático entre Estados Unidos e China. Ambos são parceiros comerciais fundamentais, e tomar partido em uma disputa tão acirrada pode trazer prejuízos irreparáveis. Manter uma postura neutra e fortalecer acordos bilaterais com ambos os lados será essencial para mitigar riscos e aproveitar oportunidades.

Além disso, o Brasil precisará diversificar seus mercados, investir em inovação e modernizar sua infraestrutura logística para se tornar mais competitivo em um ambiente global cada vez mais volátil.

O retorno de Donald Trump à Casa Branca inaugura uma nova fase de incertezas no comércio global. Tarifas globais, rivalidades comerciais e a reconfiguração das cadeias de suprimentos trarão desafios inéditos para o Brasil, mas também abrirão oportunidades para quem souber agir com estratégia.

O sucesso do Brasil dependerá de sua capacidade de adaptação. Um posicionamento estratégico no comércio internacional, aliado a políticas internas que promovam inovação e competitividade, será crucial para transformar riscos em conquistas. Mais do que nunca, o Brasil precisa de visão estratégica, resiliência e pragmatismo para prosperar em um cenário de transformação global.


(*)Henry Uliano Quaresma é CEO da Brasil Business Partners e membro de conselhos de empresas e entidades empresariais. Foi Diretor Executivo na Federação das Indústrias do Estado de Santa Catarina (FIESC), onde participou ou coordenou mais de 90 missões empresariais internacionais em mais de 50 países. Atuou profissionalmente em universidades como professor, em indústrias e governo. É engenheiro, possui MBA em Administração Global pela Universidade Independente de Lisboa, especialização em Marketing pela FGV e concluiu Programas Executivos em Estratégia e Gestão pela Wharton School (EUA) e pela INSEAD (França). É autor de artigos e livros, destacando-se o livro “O Fator China: Oportunidades e Desafios” (2024), obra consolidada como referência na área empresarial.
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