Por Robson Braga de Andrade, presidente da CNI

As incertezas quanto ao cenário institucional e a instabilidade de regras, condicionada por constantes mudanças nas leis e por alterações abruptas em entendimentos na Justiça, inibem os empresários na hora de abrir negócios ou ampliar os já existentes. Muitos projetos que poderiam fazer a economia brasileira dar saltos de inovação e de expansão acabam engavetados pela falta de solidez das normas.

A insegurança jurídica impõe pesadas perdas ao país, sendo um dos principais fatores do altíssimo Custo Brasil, o conjunto de ineficiências que retira R$ 1,7 trilhão por ano das empresas brasileiras. 


Contornar esses obstáculos deve ser uma política de Estado, conduzida com prioridade pelos governos – independentemente de sua ideologia ou coloração partidária – na União, nos Estados e nos municípios. O poder público precisa dar o exemplo, reduzindo o caos normativo que se vê em diversas áreas da atuação estatal e promovendo a estabilidade da ordem jurídica.  


E? comum vermos o poder pu?blico, no Brasil, alimentando a desconfianc?a, ao modificar as regras seja por via legislativa, seja na aplicac?a?o pela administrac?a?o ou por interpretac?o?es judiciais.

So? ha? seguranc?a quando os efeitos juri?dicos dos atos pu?blicos podem ser previsi?veis. Se as normas sa?o mu?ltiplas, contradito?rias e de difi?cil entendimento, ou se sa?o interpretadas quase sempre em benefi?cio do Fisco, o que sobreve?m e? a inseguranc?a. Nesse panorama adverso, investidores nacionais e estrangeiros se retraem, e milhares de empregos deixam de ser criados.

A inseguranc?a juri?dica e? um dos principais elementos que fazem o Brasil figurar mal no Rule of Law Index, divulgado pelo World Justice Project. Segundo o documento, a pontuac?a?o brasileira, no ano passado, foi de apenas 0,49, em um total possi?vel de 1,0.

Essa nota, a pior ja? obtida pelo pai?s desde 2015, nos coloca em 81o lugar numa lista de 140 nac?o?es. Estamos atra?s de Trinidad e Tobago, Jamaica, Argentina, Chile, Uruguai, A?frica do Sul e Ruanda. Pesam contra no?s a insuficiente protec?a?o aos direitos fundamentais, a demora no julgamento dos processos e a dificuldade na execuc?a?o das deciso?es judiciais, por exemplo.

Entre as causas de inseguranc?a juri?dica no pai?s, temos:

  • a complexidade do sistema tributa?rio, que finalmente esta? sendo atacada pela reforma em tramitac?a?o no Congresso Nacional;
  • a excessiva burocracia;
  • incertezas na edic?a?o de normas em processos licitato?rios e de licenciamento ambiental;
  • interpretac?o?es diversas do direito, firmadas pelos diferentes o?rga?os da Justic?a
  • a descontinuidade de poli?ticas, obras e servic?os;
  • entraves decorrentes do exerci?cio dos poderes discriciona?rios dos agentes pu?blicos; e
  • a necessidade de fortalecimento das age?ncias reguladoras.

A soluc?a?o desses problemas cro?nicos passa pela mudanc?a de mentalidade do Estado brasileiro, que precisa abandonar o espi?rito burocra?tico e adotar pra?ticas mais amiga?veis ao contribuinte e a? atividade econo?mica.

No a?mbito das suas respectivas compete?ncias legislativas, o Congresso Nacional e o Poder Executivo (que edita decretos, instruc?o?es normativas, regulamentos e outras regras) devem considerar a facilidade de entendimento das normas. As va?rias insta?ncias da Justic?a, por sua vez, necessitam estabilizar a jurisprude?ncia, evitando oscilac?o?es na observac?a?o das leis.

A tarefa mais importante para reforc?ar a seguranc?a juri?dica no Brasil, e a mais difi?cil do ponto de vista poli?tico, e? viabilizar as reformas constitucionais. Ale?m de ter feito a fundamental mudanc?a nas regras da Previde?ncia Social, o pai?s ja? aperfeic?oou a ultrapassada legislac?a?o trabalhista, que sempre foi uma enorme fonte de inseguranc?a para as empresas, atrapalhando os investimentos e a criac?a?o de empregos.

Ainda ha? o que fazer nesse campo, com o reforc?o na homologac?a?o do acordo extrajudicial pela Justic?a do Trabalho, o aumento das hipo?teses de utilizac?a?o de arbitragem e o esti?mulo aos mecanismos de prevenc?a?o de conflitos, por exemplo.

Agora, finalmente chegou a hora de enfrentarmos a reforma tributa?ria, que vem sendo discutida ha? quase 30 anos. A proposta aprovada na Ca?mara dos Deputados avanc?a na simplificac?a?o do sistema, com a substituic?a?o de tributos sobre o consumo de bens e servic?os por um IVA dual (um federal e outro subnacional).


O projeto acaba com a cumulatividade, permite a ra?pida devoluc?a?o de cre?ditos aos contribuintes e desonera as exportac?o?es. Com a esperada aprovac?a?o da mate?ria tambe?m no Senado, o Brasil vai passar a contar com um sistema de cobranc?a de impostos mais leve, moderno e fa?cil de lidar, que pode servir como esti?mulo a? economia.


Ainda na esfera do Poder Legislativo, e? preciso incluir ana?lises de impacto no processo de elaborac?a?o das leis, valorizar informac?o?es te?cnicas relevantes ao editar normas, observar com rigor as regras para a criac?a?o dos atos legais e zelar pela coere?ncia regulato?ria.

Na a?rea do Judicia?rio, e? necessa?rio, entre outros, promover o respeito aos precedentes em todos os graus de jurisdic?a?o e democratizar os procedimentos de participac?a?o da sociedade antes da alterac?a?o de entendimentos ja? consolidados.

Na lista de responsabilidades do Poder Executivo, esta?o uma maior transpare?ncia na divulgac?a?o dos atos com impacto na vida dos cidada?os e das empresas, a consolidac?a?o e atualizac?a?o de normas infralegais (como decretos, regulamentos, portarias e instruc?o?es), e a reduc?a?o da discricionariedade dos agentes pu?blicos no trabalho de regulac?a?o e fiscalizac?a?o das atividades econo?micas. Tambe?m e? essencial fortalecer as age?ncias reguladoras, dando garantias a sua autonomia.

Para contribuir com a reduc?a?o da inseguranc?a juri?dica do Brasil, a CNI (Confederac?a?o Nacional da Indu?stria) criou, recentemente, o Conselho Tema?tico de Assuntos Juri?dicos. O colegiado e? presidido pelo ex-ministro do Supremo Tribunal Federal Ricardo Lewandowski e composto por outros 9 renomados juristas.

As ideias do Conselho auxiliara?o a indu?stria e o pai?s a buscarem soluc?o?es para os diversos entraves existentes nesse campo. O aumento da seguranc?a juri?dica e? fundamental para melhorar o ambiente de nego?cios, estimular os investimentos, alavancar o crescimento sustenta?vel da economia e a criac?a?o de mais empregos e renda para a populac?a?o.

*Robson Braga de Andrade é empresário e presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI).

O artigo foi publicado originalmente no site Poder 360 nesta sexta-feira (11).